COLUNA DO SARNEY: Tia Zica e o Papa Francisco
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Quando ouvi falar pela primeira vez da doença, achei uma injustiça: como uma coisa ruim dessas ia ter o nome de minha querida tia Zica? Ela foi muito presente em minha infância, em São Bento. Era casada com o libanês Jorge Choairy, que tinha, a uns cinco quarteirões de nossa casa, uma loja grande, onde vendia de tudo, mas principalmente se comprava e vendia babaçu. Ela era irmã do grande médico da Baixada, Antenor Abreu.
Naquele tempo, o que sabia do Aedes aegypti era que ele trouxera para o Brasil uma doença terrível, a febre amarela. Contra o mosquito, Osvaldo Cruz convocara os “mata-mosquitos”, que conseguiram acabar com ele no início do século passado. Depois de meu governo – ele voltara trazido pelos navios, como tantas outras espécies que ameaçam nosso ecossistema -, decidiram acabar, não com os mosquitos, mas com os mata-mosquitos, e não sei a parte que essa decisão tem nos atuais surtos de dengue, chikungunya e zika. Ou com o aumento assustador dos casos de microcefalia.
O fato é que hoje a epidemia alarma todo o mundo. A OMS (Organização Mundial de Saúde) acaba de recomendar uma medida de consequências polêmicas: o uso generalizado da contracepção pelas mulheres dos países afetados e, para as que tiverem sexo sem proteção, o uso das “pílulas do dia seguinte”. Nossos serviços de saúde já haviam recomendado que as mulheres evitassem engravidar enquanto durar o surto, o que dava mais ou menos no mesmo. Bem, isso vai ser rejeitado enfaticamente pela Igreja Católica, não? Não. O papa Francisco fez, com voz suave e poucas palavras, uma declaração que abala os alicerces conservadores de Roma – plantados firmemente nos Estados Unidos, que, como se sabe, é a linha de frente contra o aggiornamento da Igreja: “…evitar a gravidez é um caso de mal menor – falamos de conflito entre o quinto e o sexto mandamentos. Paulo VI – o grande – numa situação difícil, na África, permitiu às freiras usarem anticoncepcionais (anticoncezionali) para os casos de violência”. O beato Paulo VI tratava de prevenir, durante a guerra civil no Congo, a grande ameaça de estupros. E Francisco, depois de condenar com veemência o aborto, insistiu: “…evitar a gravidez não é um mal absoluto”.
Mas não foi essa a única surpresa do papa nessa viagem. Para começar, ele fez um pit-stop em Havana, para encontrar-se com o Patriarca de Moscou e de toda a Rússia, Cirilo I – a Igreja Ortodoxa Russa é a segunda maior igreja cristã. Depois, fez um gesto simbólico ao pedir, mais uma vez, compaixão para os emigrantes diante de uma fronteira militarizada entre o México e os Estados Unidos. E Donald Trump levantou a bola para o chute de Francisco ao prometer forçar o México a construir um muro entre os dois países: “Uma pessoa que só pensa em construir muros, e não em construir pontes, não é cristã”.
Eu, que passei a vida construindo pontes, concordo inteiramente.
José Sarney