Ser negro é um
privilégio", diz ex-catador que ergueu negócio milionário
Por Guilherme
Machado - iG São Paulo | 19/11/2015
10:00
Geraldo Rufino morou na favela e trabalhou no lixão; hoje, ele é dono de
uma empresa que fatura até R$ 50 milhões ao ano
Um casal
e oito filhos. O mais novo, Geraldo Rufino, brincava com os irmãos nos carros
de boi da roça do pai, no interior de Minas Gerais. “Não havia rádio nem
televisão. Era o brinquedo que tínhamos, e a vida era um paraíso” lembra
Rufino. Um paraíso que não durou. Um dia, uma forte geada se abateu sobre
a plantação do pai de Geraldo, e tudo que tinham se foi. Não teve jeito, a família
precisou se mudar para conseguir sobreviver. O destino foi a Favela do Sapé, em
São Paulo. O menino, ainda criança, percebeu que a vida podia ser bem
complicada.
Divulgação
Geada em MG deu
novo rumo à vida de Rufino
Além da
pobreza, sofreu a primeira grande perda: a mãe de Rufino, que trabalhava como
empregada doméstica, morreu de mal súbito. “Vi meu pai chorando. Eu perguntava
para ele ‘cadê a mamãe’, e ele só chorava. Sentia um vazio no coração, parecia
que estava faltando alguma coisa, mas não entendia o que estava acontecendo”,
relata.
Aos
11, começou a trabalhar em uma fábrica de carvão. Tempo depois, saiu do
emprego e começou a recolher latas em um lixão próximo da favela na qual
morava. Decidiu guardar o dinheiro que conseguiu dentro de latinhas, que
enterrou em um terreno. Mas, uma obra foi realizada no local e enterrou de vez
as economias de Rufino.
Aos 13
anos, Rufino começou a trabalhar no Playcenter. No início, teve dificuldades em
se adaptar, pois uma chefe o aconselhava a não entrar na sala dos diretores -
todos racistas, segundo ela. Rufino conta que acabou amigo de muitos e que
descobriu que a gerente estava enganada. “Acho que ela queria me
proteger."
Proteger
e estimular. A mulher o fez voltar a estudar como condição para continuar no
emprego. Deu certo. Rufino alçou o cargo de diretor do parque.
Enquanto
ascendia na empresa, decidiu realizar um investimento paralelo: comprou
uma Kombi e a deu a um dos irmãos para fazer carreto. Rapidamente o negócio
evoluiu para dois caminhões. No entanto, ambos os caminhões se envolveram em um
acidente simultaneamente, e Rufino acabou "quebrando".
Arquivo pessoal
Geraldo viveu seus
primeiros anos de vida com os pais e os irmãos na roça, em Minas Gerais
Com os
veículos danificados, decidiu desmontá-los para vender as peças e percebeu uma
possibilidade de investimento. Era 1985 e nascia a JR Diesel, uma empresa de
desmonte de caminhões que em 2013 faturou R$ 50 milhões. “É uma empresa que
gera oportunidades e contribui socialmente”, descreve Rufino.
“O negro precisa ter orgulho de ser
negro”
Rufino
conta que, fora o período no qual acreditou que os diretores do Playcenter eram
racistas, nunca sofreu nenhum tipo de descriminação. E mais: não
se importa com a opinião dos outros. “Se eu tivesse de nascer de novo,
iria querer ser negro, acho um privilégio ser negro.”
Ele
também acredita que é preciso lutar contra a desigualdade, mas não crê que
exista uma relação direta com a questão racial. “Se você for hoje a uma favela,
você vai ver tanto negros, como brancos, amarelos e loiros." Para
"vencer na vida", diz, é preciso superar o preconceito. “Se você
olhar para o passado, os negros não acreditavam neles, aceitavam a ideia de que
eram menores. Os negros que acreditaram que eram iguais e formam hoje a minoria
que se destaca tanto no meio empresarial como na política e no esporte”,
discorre. “Se é possível o presidente dos Estados Unidos ser negro e ser
querido, porque não é possível para os outros?"
“Sou contra o sistema de cotas”
Rufino defende um
sistema de cotas sociais
Rufino
também não é favorável ao sistema de cotas. Acredita que é mais uma forma de
discriminar. "A cota tem de ser social, não racial. Não tem
descriminação pior que essa. É uma vergonha mais uma vez colocar na cabeça do
negro que ele é inferior. Acho uma humilhação, não uma oportunidade”,
argumenta.
Em vez de
cotas, defende Rufino, o que o jovem negro precisa é saber que tem competência
e que pode sonhar como qualquer pessoa. Ele acredita fazer a sua parte,
contando sua história e servindo de inspiração. “Vou à periferia e
converso com eles, digo ‘é possível gente, olha eu aqui’. Eu pude e todos vocês
podem, vocês tem livre arbítrio.”
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